terça-feira, 14 de julho de 2015

Maria do Carmo

                           
Ainda não havia imaginado como seria ser filha de Maria

E já observava a tudo com os olhos castanhos da Maria

Que era do Carmo e nascera em Carangolas, nas Minas Gerais, dentro do Brasil

Eu, como todos os filhos da Maria, era de Oliveira (sobrenome de seu pai) 

E orgulhava-me 
 
Maria era uma mulher belíssima - dentro e fora

Encantou-se com o Sátiro que gostava de cantar noite adentro

No vento, na chuva, ao relento

Nas festas dos santos reis...

O Sátiro não era o semideus das florestas e nem das ruas do interior
 
Ainda assim Maria o ajudava a sentir-se importante neste mundo enorme

Ao entardecer, Maria... a bela Maria também cantava

E rezava em louvor aos santos esquecidos, daí dormíamos todos em paz

13/06/1975

sábado, 11 de julho de 2015

Tentáculos

Teus tentáculos, quem diria, me achariam fora do mar!
Deus do mar,
Deusa das marés,
Afastem de mim tal gigante que perambula em minhas noites,
Porque não foram meus os olhos que o guardaram através dos tempos.
Eu, meretriz das tabernas
Embriaguei-me com mágicos em lagos azuis.
Poderia ser somente do rei e estar feliz,
Beijar as paisagens do castelo de flores,
Amanhecer com o corpo orvalhado e puro.
Deuses dos ventos, assoprem!
Nos separem nos tempos,
Porque trouxemos as luzes das tabernas,
As cores dos lagos dentro das veias,
E tudo volta a ferver.
Por que me viestes ver?
Desço as escadas e choro contigo
Não deveríamos.
Afaste os tentáculos!
Sabes que não deveríamos sair do passado.
Entendo o meu medo de estar ao teu lado,
O arrepio no decorrer da madrugada;
Revejo o lenço em teu bolso quando os tentáculos
Eram mãos tão macias preservando-me a alma por todas as noites.
Por que me viestes através dos séculos navegar os olhos?

Jan/2004

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Canto Sem Cor

Morte era a minha face quando me faltavas a qualquer hora,
E meus passos plantavam dores pelos latifúndios
Quando teus olhos já não eram minhas luas.
Em que terras pisavas que não percebestes que nevava aqui dentro?
Em que terras pisavas que não percebestes que eu tinha pesadelos?
Pernas moribundas me moveram a esmo. 
Eu que já morria de medo dos olhos meus sem o brilho dos teus... Eram luares!
Onde estavas que nem me viu chorar?
Não há mais esperança de futuro em nós.
Nunca a vimos e nem a veremos.
Veja detrás dos arbustos que se movem mansamente agora:
Nossos dias eram mentirosos, nunca existiram!
Mova-se para que eu possa te ver.
Janta comigo os restos de ontem
E as sobras da manhã que me levou
Enquanto dormia vulnerável.
Olha em meus olhos!
Em minha gaveta está guardada
A  inútil  presença sem graça da nostalgia
Que arrepia-me e traz de volta os medos
De um tempo em que dormia em teu colo
E ouvia de olhos semi
abertos tua voz emudecida
Aguardando a primavera com um sol obeso a flutuar no azul celeste.
Antes do meu sono ainda podia ver, não claramente
Uma luz amarela de estafa
Cozida em milhões de minutos vazios e apodrecidos.
Onde é que estamos agora?
Não responda.
Já não existem os porquês.
Fique aí pensando em que ano estamos.

Corina Sátiro
24 de abril de 2005

domingo, 28 de junho de 2015

Blasfêmea

Blasfemei contra ti, poderoso rei!

Num mundo de sombras me arrancastes de um novo ventre
atirando-me ao mundo que engole vidas em sonhos ou pesadêlos
sem hora marcada - vida e morte - aparecem num instante de distração 

Destes a mim uma língua cheia de palavras rudes e mansas e não sei quando as dizer, a quem dizer...
Deixo-as aqui

Susssurei em muitos ouvidos os feitiços camuflados pela beleza
E recitei meus versos silenciosamente aos pássaros no parque das luzes azuis
Onde os fantasmas circulavam

Para tanto estive a andar por tempestades com minha face às palmas de todas as mãos...
Minha vestimenta morena perdeu-se em ilusões  

E sobre mim caiu a solidão num dia alegre de verão... 
Porque meus irmão viram-me brilhar soluçando sob os raios do sol poente ao descer as encontas rumo ao desconhecido
 
Não tive medo dos mortos 
E minha alma vagava pelas vielas desertas acompanhada dos mesmos,
Dentro do novo corpo que a mim destes trouxe todas as verdades para dizer aqui.

E engoli o sal descendo à face
E olhei dentro dos olhos dos homens que não me olhavam

Por que destes aos homens a alegria de gozar as dores de quem as descreve?

Doei minhas dores em versos,
Guardei meus risos soltos para outro poema, para outro dia
Por minha natureza poética blasfemei em versos

E e por minha irreverência o rei a mim manda chamar
Vendar-me os olhos e chicotear-me as mãos
 E sem lógica vive em mim a verve que a ele nunca pedi.

10/05/2006

 

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Ave Noturna

O meu tempo desloca-se há anos-luz no teu espaço aberto.
À que mal me submetes com teu olhar de ave noturna?
Voas na escuridão rumo ao primeiro raio de sol
Enquanto eu, em silêncio te espero pousar arrastando as asas
A poeira que  escurece meus olhos desolados
Eu, tal bicho rasteiro, sem propósitos ou lucidez
Ao desprender-me do pobre corpo acompanho-te.
Ganho os céus, as tempestades de vento e areia nos desertos.
Decerto exauri-me de ver-te voar só
Um dia meus pés
Mantiveram-se presos a terra.

Corina Sátiro – 08/02/1987

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Lembranças

A ilha dançando sobre as águas.
Apenas dançando, e o mar abria caminhos;
Não havia apóstolo Moisés nem mar aberto àquele povo a caminho do Egito.
Não sei se vi um carrossel girando ou se eram unicórnios alados relinchando cantos do uirapuru em noites eternamente adormecidas
A nos esperar para uma cavalgada eterna; achava que era.
Podia ouvi-los cantarolar durante dias e dias, trotando na brisa leve.
Não sei se vi um caracol gigante ou a ilha, girando, girando, girando.
Aborígines passeavam sob o lume de estrelas cadentes sentinelas do horizonte distante
Que mergulhavam no mar deixando os céus desprotegidos,
Mas levariam estrelas do mar para presenteá-los ao amanhecer.
E quando amanhecia a ilha inteira podia ver
Carrossel girando,
Unicórnios alados,
Aborígines a olhar de soslaio,
Uirapurus sobrevoando flores,
Borboletas impúberes a voar,
Manhãs cheias de amores,
Amores perdidos,
Amores eternos,
Amores sentidos.
E a pergunta ilógica:
Onde andaria as tantas o sol-da-meia-noite?
Preso em uma teia gigantesca?
Devorado por insetos?
Fugira de sua órbita deixando a ilha eternamente adormecida, esquecida.
Deixara a ilha ilhada.
E os unicórnios olhavam de soslaio

Corina Sátiro
11/11/2003 21:41:14

sábado, 13 de setembro de 2014

Memórias

                                                                                   
A morte morreu após sair e bater a porta,
Deixou acesa a luz do abajur.
Minhas pálpebras cansadas não despediram-se da traiçoeira senhora.
Meus  involuntários flashback retardariam- me a memória para sempre (talvez eu fosse doente)
Causas:  o lixo e o luxo
Meus dentes rangeram durante toda a madrugada
E aí sim, eu vi chegar a alvorada, o crepúsculo matutino.
O céu rosado e as rosas;  estas não floriam (A fauna e a flora brasileira são exuberantes!)
Deslizeis os pés no gramado gelado com o maldito cigarro nos dentes a sufocar-me com sua fumaça adentrando-me as narinas.
Sem café, sem o trem das nove, sem o sorriso perdido em alguma esquina; sem minha mangueira no quintal. Mas, acho que ela nem daria frutos, bem como as rosas que este ano não abriram botões.
Um vento frio me encosta ao rosto, e minha mente cheia de folhas secas
Minha aura adormeceu agora. E quem sou? Não me lembro !
Um humanóide ?  Um caso perdido  e sem fronteiras ?
Não sei; sei não... minhas asas fechadas me enterraram aqui
Para sempre – talvez.

Corina Sátiro
13/09/2014