quinta-feira, 14 de julho de 2011

Olhares

Meu olho esquerdo escondia os versos emudecidos, a música
E o arrulhar dos pássaros solitários.
Mergulhava sombreado nas almas soltas e nuas

Por quê tu olhavas apenas por ele?
Não imaginavas que meu olho direito já desfazia-se em lágrimas?
Que roubaria de ti a harmonia e os sonhos?

Passastes longe da retina derretida pelo sal que me descia ao colo,

Mas, te amei!

Meu olho esquerdo te contava histórias pueris, iluminava os caminhos; e caminhavamos...
Saltando feito moleques, digladiavam olho esquerdo e direito em minhas lutas imortais
E os teus olhos viam meu olho esquerdo. Acenavam-lhe e sorria.

Contorcia-se meu olho direito, e de soslaio arremetia-se ao medo
Fugindo pela janela semi-aberta.
Então? Acovardava-se ele? Não.

Meu olho direito, menino e arredio assustava-se ao som das guerras
E trépido fechava-se, ou arregalava-se em pedidos de socorro,
Mas não vias meu olho direito

Agora já é noite e meus olhos dormem.
Assim, acalmam-se e sonham os mesmos sonhos, teus e meus.
Irmãos da mesma face expostos ao renascer

Corina Sátiro - 23/03/2015

sábado, 23 de abril de 2011

Telhas de Gelo

O homem grisalho entrou pelo portão dos fundos. A lua ofuscava-lhe os olhos; estupenda e imponente infeitiçava metade da Terra derramando raios.

O homem lá estava, e sob a lua rebuscava o menino que fora na infância lá em seu fundinho de peito solitário, trazia à lembrança molecagens junto aos anciãos na varanda; tinham as faces enrugadinhas, adocicadas de risos e coradas de sol, morriam de rir em suas anedotas contadas enquanto tomavam o café da manhã com bolo de limão. Seus olhos em raros momentos entristeciam-se. Por vezes eram nostálgicos.

Rememorava o homem a vista para o moinho que ficava ao lado da igrejinha onde ía aos domingos pedir pelos desamparados; incluia pedidos fervorosos em rezas aos céus à dizimação dos “pestinhas” silvestres enquanto desperdiçava água benta esguichada aos mesmos. Estes eram verdadeiros destruidores – alguns comiam os ovos das galinhas chocadeiras que a mãe vendia para comprar fubá.

De volta à realidade, por horas ficava a olhar as trancas apodrecidas do portão, as tábuas do paiol rangendo e confundindo os assovios dos ventos que desciam desenfreados a montanha. Lembrou-se que quando menino tinha medo dos tais ventos, achava que virariam grandes tornados e arremeçariam aos céus todas as criaturas por onde passasse enfurecido.

Os olhos do homem eram nitidamente profundos e observavam as muitas ruas de sua infância, onde corría a soltar os pássaros na intenção de uma aprendizagem de vôo numa simples observância. Pensava que com isso poderia também levantar vôo sobre as cidades contraiando a ciência e a tecnologia que inventavam aeronaves e balões; Achava que todos os habitantes viraríam pássaros exuberantes e imensos com plumas enormes e coloridas.

Podia ver toda a trajetória destinada aos homens: início, meio e fim. E trôpego percorreu as ruas; e sentiu o cheiro do vento, o sereno a invadir seus olhos úmidos de saudades. Chorou. Sentou-se na relva e chorou copiosamente.

Voltou a observar a casa vazia, aproximou-se e fechou as trancas apodrecidas, esqueceu o medo dos ventos e voltou a cidade com o coração cheio de lembranças.

Corina Sátiro - 23/02/2006