quinta-feira, 30 de julho de 2015

Bichos Soltos

                                                                                
            Já não falo agora ; não escuto, porque minhas mãos direcionadas aos céus clamam pelo fim da psicalgia no mundo.

            Alguém lá em cima  - talvez sonhando- espreguiça-se   ao bocejar revirando-se  nas nuvens  algodoadas.
    
           Alguma coisa  dissolve-se virando neve, causando tormento  e frio. Ora, se não é o gélido São Pedro!?  Tudo por querer pisar na  Terra...

           "Santos sempre sobrevoam a Terra",- dizia minha mãe ao mirar meus olhos de criança curiosa  enquanto o  padre rezava a missa de domingo.

             Ontem chorei. Um choro de gente assim... Ah!... assim meio animal! (quisera  eu sê-lo não somente parcial.) Rosnava e latia ao telefone para posteriormente calar-me  e em seguida sentar-me num canto  qualquer. Enquanto  "São Pedro", derretido, líquido,  ainda escorria pelas vidraças alcançando as ruas barrentas  do meu vilarejo; este que me acolhe  sempre, fazendo pensar nas estrelas, nos homens, no Deus Dono do mundo.

     O meu amor certamente estará pensando que sou  uma Mula-sem-cabeça , ou um Lobisomem.- criaturas folclóricas que atormentam as crianças quando  deitam-se para dormir.

                                 Não; não . Nunca assustaria o  meu amor.
 
 21/10/2004  

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Lobos

Caio em mim como gotas de sangue de um membro extirpado.

Devia ter tido o cuidado para me proteger dos lobos,

Devia ter aproveitado a noite para sonhar

Sangrar não é mais que uma dor.

Chorar. Pra quê? Por quem?

Um homem quase cão;

Lobo ainda não.

Falta saber uivar, saltar sobre os obstáculos no negrume da noite.

Como pode mascar minhas vísceras

Sem sentir o gosto amargo da minha decência?

 

Corina Sátiro -10/11/2005

domingo, 26 de julho de 2015

Adeus

Não te atormentes se não me vires hoje,
Pois nem os espelhos e vitrines me refletem agora.
Aqui não estou mais.
Há alguém em mim, desconhecida; bem sei.
Prolonguei minha tortura nos teus festejos.
Ternura dissimulada a tua que atua sempre
Em teu olhar de aventuras
Seguei-me e arrastei-me,
E agora arrisco-me pulando os muros altos para fugir de mim
Sem sentir mais em minha pele teu cheiro já evaporado.
Que após alguns segundos não há de fazer diferença
Em minha imagem distorcida e em meus sonhos sufocados.
Meus sonhos renascem com as andorinhas mortas
Meus olhos profundos -  lagoas de puro sal
Onde tu te banhas em harmonia com as horas
No início de uma nova dança de ventres arqueados
E tuas mãos já não me importam no adeus;
E tuas mãos já me são mudas,
Minha pele já te é surda e cega,
E me transportam para as temperaturas mais elevadas
De uma desconhecida cidade em chamas
Onde os fogos não são artificiais.
Os meus lábios, antes teus, a outros tocam num ritual calmo de quem se vai.
E a minha fraqueza – tua perpetuada inimiga – corre solta e forte,
Corre livre em outras mãos suaves,
E os meus suores quentes são águas cristalinas e entram em erupção 
Para encher de um brilho galáctico os olhos de quem os vê.

Corina Sátiro – 25/06/2005

terça-feira, 14 de julho de 2015

O Elo

Meu olho e alma, e os pedaços perdidos do meu "dano psíquico"
Não me causam estranheza, e os rumos desconhecidos também não,
Pois após tanta dor, vi um coração raquítico pulsar doente em mim.
Restavam duas dores que tive que entender: meu céu e meu chão.


Um beijo na mão me alimenta...
E que falta sentirei de mim mesma se não me vejo?
Estou atrás das dunas a olhar o vento quente que derrete a tarde
E a lembrança de ti ... Não te vejo! 

Ah, mas quem dera ver o início da fúria em mim!
Arrancar os resquícios da doce lembrança dos teus olhares,
E riscar, pondo meu nome - em tua face - com o mesmo pincel que usei no quadro inacabado que ainda guardo amedrontada,
 
Mas de que adiantaria tudo isso, se ainda quero beijar tua face no quadro desbotado onde não terminei a pintura?
Então, guardo o pincel para pintar o céu

Dores de mim, deixem a paz cantar nas conchas achadas na areia!
Eu que me achei sem querer perdida na distração,  num barco vazio que corta o mar
a sonhar com cavalos brancos...
Sei que era apenas a menina em mim!
 

 

Maria do Carmo

                           
Ainda não havia imaginado como seria ser filha de Maria

E já observava a tudo com os olhos castanhos da Maria

Que era do Carmo e nascera em Carangolas, nas Minas Gerais, dentro do Brasil

Eu, como todos os filhos da Maria, era de Oliveira (sobrenome de seu pai) 

E orgulhava-me 
 
Maria era uma mulher belíssima - dentro e fora

Encantou-se com o Sátiro que gostava de cantar noite adentro

No vento, na chuva, ao relento

Nas festas dos santos reis...

O Sátiro não era o semideus das florestas e nem das ruas do interior
 
Ainda assim Maria o ajudava a sentir-se importante neste mundo enorme

Ao entardecer, Maria... a bela Maria também cantava

E rezava em louvor aos santos esquecidos, daí dormíamos todos em paz

13/06/1975

sábado, 11 de julho de 2015

Tentáculos

Teus tentáculos, quem diria, me achariam fora do mar!
Deus do mar,
Deusa das marés,
Afastem de mim tal gigante que perambula em minhas noites,
Porque não foram meus os olhos que o guardaram através dos tempos.
Eu, meretriz das tabernas
Embriaguei-me com mágicos em lagos azuis.
Poderia ser somente do rei e estar feliz,
Beijar as paisagens do castelo de flores,
Amanhecer com o corpo orvalhado e puro.
Deuses dos ventos, assoprem!
Nos separem nos tempos,
Porque trouxemos as luzes das tabernas,
As cores dos lagos dentro das veias,
E tudo volta a ferver.
Por que me viestes ver?
Desço as escadas e choro contigo
Não deveríamos.
Afaste os tentáculos!
Sabes que não deveríamos sair do passado.
Entendo o meu medo de estar ao teu lado,
O arrepio no decorrer da madrugada;
Revejo o lenço em teu bolso quando os tentáculos
Eram mãos tão macias preservando-me a alma por todas as noites.
Por que me viestes através dos séculos navegar os olhos?

Jan/2004

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Canto Sem Cor

Morte era a minha face quando me faltavas a qualquer hora,
E meus passos plantavam dores pelos latifúndios
Quando teus olhos já não eram minhas luas.
Em que terras pisavas que não percebestes que nevava aqui dentro?
Em que terras pisavas que não percebestes que eu tinha pesadelos?
Pernas moribundas me moveram a esmo. 
Eu que já morria de medo dos olhos meus sem o brilho dos teus... Eram luares!
Onde estavas que nem me viu chorar?
Não há mais esperança de futuro em nós.
Nunca a vimos e nem a veremos.
Veja detrás dos arbustos que se movem mansamente agora:
Nossos dias eram mentirosos, nunca existiram!
Mova-se para que eu possa te ver.
Janta comigo os restos de ontem
E as sobras da manhã que me levou
Enquanto dormia vulnerável.
Olha em meus olhos!
Em minha gaveta está guardada
A  inútil  presença sem graça da nostalgia
Que arrepia-me e traz de volta os medos
De um tempo em que dormia em teu colo
E ouvia de olhos semi
abertos tua voz emudecida
Aguardando a primavera com um sol obeso a flutuar no azul celeste.
Antes do meu sono ainda podia ver, não claramente
Uma luz amarela de estafa
Cozida em milhões de minutos vazios e apodrecidos.
Onde é que estamos agora?
Não responda.
Já não existem os porquês.
Fique aí pensando em que ano estamos.

Corina Sátiro
24 de abril de 2005