domingo, 28 de junho de 2015

Blasfêmea

Blasfemei contra ti, poderoso rei!

Num mundo de sombras me arrancastes de um novo ventre
atirando-me ao mundo que engole vidas em sonhos ou pesadêlos
sem hora marcada - vida e morte - aparecem num instante de distração 

Destes a mim uma língua cheia de palavras rudes e mansas e não sei quando as dizer, a quem dizer...
Deixo-as aqui

Susssurei em muitos ouvidos os feitiços camuflados pela beleza
E recitei meus versos silenciosamente aos pássaros no parque das luzes azuis
Onde os fantasmas circulavam

Para tanto estive a andar por tempestades com minha face às palmas de todas as mãos...
Minha vestimenta morena perdeu-se em ilusões  

E sobre mim caiu a solidão num dia alegre de verão... 
Porque meus irmão viram-me brilhar soluçando sob os raios do sol poente ao descer as encontas rumo ao desconhecido
 
Não tive medo dos mortos 
E minha alma vagava pelas vielas desertas acompanhada dos mesmos,
Dentro do novo corpo que a mim destes trouxe todas as verdades para dizer aqui.

E engoli o sal descendo à face
E olhei dentro dos olhos dos homens que não me olhavam

Por que destes aos homens a alegria de gozar as dores de quem as descreve?

Doei minhas dores em versos,
Guardei meus risos soltos para outro poema, para outro dia
Por minha natureza poética blasfemei em versos

E e por minha irreverência o rei a mim manda chamar
Vendar-me os olhos e chicotear-me as mãos
 E sem lógica vive em mim a verve que a ele nunca pedi.

10/05/2006

 

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Ave Noturna

O meu tempo desloca-se há anos-luz no teu espaço aberto.
À que mal me submetes com teu olhar de ave noturna?
Voas na escuridão rumo ao primeiro raio de sol
Enquanto eu, em silêncio te espero pousar arrastando as asas
A poeira que  escurece meus olhos desolados
Eu, tal bicho rasteiro, sem propósitos ou lucidez
Ao desprender-me do pobre corpo acompanho-te.
Ganho os céus, as tempestades de vento e areia nos desertos.
Decerto exauri-me de ver-te voar só
Um dia meus pés
Mantiveram-se presos a terra.

Corina Sátiro – 08/02/1987

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Lembranças

A ilha dançando sobre as águas.
Apenas dançando, e o mar abria caminhos;
Não havia apóstolo Moisés nem mar aberto àquele povo a caminho do Egito.
Não sei se vi um carrossel girando ou se eram unicórnios alados relinchando cantos do uirapuru em noites eternamente adormecidas
A nos esperar para uma cavalgada eterna; achava que era.
Podia ouvi-los cantarolar durante dias e dias, trotando na brisa leve.
Não sei se vi um caracol gigante ou a ilha, girando, girando, girando.
Aborígines passeavam sob o lume de estrelas cadentes sentinelas do horizonte distante
Que mergulhavam no mar deixando os céus desprotegidos,
Mas levariam estrelas do mar para presenteá-los ao amanhecer.
E quando amanhecia a ilha inteira podia ver
Carrossel girando,
Unicórnios alados,
Aborígines a olhar de soslaio,
Uirapurus sobrevoando flores,
Borboletas impúberes a voar,
Manhãs cheias de amores,
Amores perdidos,
Amores eternos,
Amores sentidos.
E a pergunta ilógica:
Onde andaria as tantas o sol-da-meia-noite?
Preso em uma teia gigantesca?
Devorado por insetos?
Fugira de sua órbita deixando a ilha eternamente adormecida, esquecida.
Deixara a ilha ilhada.
E os unicórnios olhavam de soslaio

Corina Sátiro
11/11/2003 21:41:14

sábado, 13 de setembro de 2014

Memórias

                                                                                   
A morte morreu após sair e bater a porta,
Deixou acesa a luz do abajur.
Minhas pálpebras cansadas não despediram-se da traiçoeira senhora.
Meus  involuntários flashback retardariam- me a memória para sempre (talvez eu fosse doente)
Causas:  o lixo e o luxo
Meus dentes rangeram durante toda a madrugada
E aí sim, eu vi chegar a alvorada, o crepúsculo matutino.
O céu rosado e as rosas;  estas não floriam (A fauna e a flora brasileira são exuberantes!)
Deslizeis os pés no gramado gelado com o maldito cigarro nos dentes a sufocar-me com sua fumaça adentrando-me as narinas.
Sem café, sem o trem das nove, sem o sorriso perdido em alguma esquina; sem minha mangueira no quintal. Mas, acho que ela nem daria frutos, bem como as rosas que este ano não abriram botões.
Um vento frio me encosta ao rosto, e minha mente cheia de folhas secas
Minha aura adormeceu agora. E quem sou? Não me lembro !
Um humanóide ?  Um caso perdido  e sem fronteiras ?
Não sei; sei não... minhas asas fechadas me enterraram aqui
Para sempre – talvez.

Corina Sátiro
13/09/2014
   


quinta-feira, 14 de julho de 2011

Olhares

Meu olho esquerdo escondia os versos emudecidos, a música
E o arrulhar dos pássaros solitários.
Mergulhava sombreado nas almas soltas e nuas

Por quê tu olhavas apenas por ele?
Não imaginavas que meu olho direito já desfazia-se em lágrimas?
Que roubaria de ti a harmonia e os sonhos?

Passastes longe da retina derretida pelo sal que me descia ao colo,

Mas, te amei!

Meu olho esquerdo te contava histórias pueris, iluminava os caminhos; e caminhavamos...
Saltando feito moleques, digladiavam olho esquerdo e direito em minhas lutas imortais
E os teus olhos viam meu olho esquerdo. Acenavam-lhe e sorria.

Contorcia-se meu olho direito, e de soslaio arremetia-se ao medo
Fugindo pela janela semi-aberta.
Então? Acovardava-se ele? Não.

Meu olho direito, menino e arredio assustava-se ao som das guerras
E trépido fechava-se, ou arregalava-se em pedidos de socorro,
Mas não vias meu olho direito

Agora já é noite e meus olhos dormem.
Assim, acalmam-se e sonham os mesmos sonhos, teus e meus.
Irmãos da mesma face expostos ao renascer

Corina Sátiro - 23/03/2015

sábado, 23 de abril de 2011

Telhas de Gelo

O homem grisalho entrou pelo portão dos fundos. A lua ofuscava-lhe os olhos; estupenda e imponente infeitiçava metade da Terra derramando raios.

O homem lá estava, e sob a lua rebuscava o menino que fora na infância lá em seu fundinho de peito solitário, trazia à lembrança molecagens junto aos anciãos na varanda; tinham as faces enrugadinhas, adocicadas de risos e coradas de sol, morriam de rir em suas anedotas contadas enquanto tomavam o café da manhã com bolo de limão. Seus olhos em raros momentos entristeciam-se. Por vezes eram nostálgicos.

Rememorava o homem a vista para o moinho que ficava ao lado da igrejinha onde ía aos domingos pedir pelos desamparados; incluia pedidos fervorosos em rezas aos céus à dizimação dos “pestinhas” silvestres enquanto desperdiçava água benta esguichada aos mesmos. Estes eram verdadeiros destruidores – alguns comiam os ovos das galinhas chocadeiras que a mãe vendia para comprar fubá.

De volta à realidade, por horas ficava a olhar as trancas apodrecidas do portão, as tábuas do paiol rangendo e confundindo os assovios dos ventos que desciam desenfreados a montanha. Lembrou-se que quando menino tinha medo dos tais ventos, achava que virariam grandes tornados e arremeçariam aos céus todas as criaturas por onde passasse enfurecido.

Os olhos do homem eram nitidamente profundos e observavam as muitas ruas de sua infância, onde corría a soltar os pássaros na intenção de uma aprendizagem de vôo numa simples observância. Pensava que com isso poderia também levantar vôo sobre as cidades contraiando a ciência e a tecnologia que inventavam aeronaves e balões; Achava que todos os habitantes viraríam pássaros exuberantes e imensos com plumas enormes e coloridas.

Podia ver toda a trajetória destinada aos homens: início, meio e fim. E trôpego percorreu as ruas; e sentiu o cheiro do vento, o sereno a invadir seus olhos úmidos de saudades. Chorou. Sentou-se na relva e chorou copiosamente.

Voltou a observar a casa vazia, aproximou-se e fechou as trancas apodrecidas, esqueceu o medo dos ventos e voltou a cidade com o coração cheio de lembranças.

Corina Sátiro - 23/02/2006

terça-feira, 16 de junho de 2009

De Tempos Em Tempos

Após tanto tempo - tempos de sois - ainda cabisbaixa atirei-me à luminosidade que restava do por-do-sol. Enxergava-me agora como um velho tronco envelhecido no topo da colina, cheio de galhos secos, oco e vazio; tão vazio que quebraria-se com uma leve brisa. Ainda assim, lá estava ele. Mantinha-se de pé a olhar os vales como estivesse a calcular o tempo que lhe restava de vida.

E eu tinha certeza do que me ocupava a mente durante aqueles tempos em que brincava com as outras crianças nas calçadas em minha rua da infância: “ Amor era reservado somente aos deuses, nunca aos mortais” . Se fora eu parida por uma mortal, como saberia do meu destino amororo? Ah, mas nem todos os príncipes eram deuses e eu podia sonhar.

Bem sei de raiva, de ódio. É quase uma demência. Sentimentos destrutivos que adoecem a face e a alma dos homens dando-lhes a certeza de que nada valhe a pena, de que nada reconstruirão. Apenas caminham para a morte e a desolação. E eu choro com isso.

Corina Sátiro - 20/03/2000