quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Lembranças

A ilha dançando sobre as águas.
Apenas dançando, e o mar abria caminhos;
Não havia apóstolo Moisés nem mar aberto àquele povo a caminho do Egito.
Não sei se vi um carrossel girando ou se eram unicórnios alados relinchando cantos do uirapuru em noites eternamente adormecidas
A nos esperar para uma cavalgada eterna; achava que era.
Podia ouvi-los cantarolar durante dias e dias, trotando na brisa leve.
Não sei se vi um caracol gigante ou a ilha, girando, girando, girando.
Aborígines passeavam sob o lume de estrelas cadentes sentinelas do horizonte distante
Que mergulhavam no mar deixando os céus desprotegidos,
Mas levariam estrelas do mar para presenteá-los ao amanhecer.
E quando amanhecia a ilha inteira podia ver
Carrossel girando,
Unicórnios alados,
Aborígines a olhar de soslaio,
Uirapurus sobrevoando flores,
Borboletas impúberes a voar,
Manhãs cheias de amores,
Amores perdidos,
Amores eternos,
Amores sentidos.
E a pergunta ilógica:
Onde andaria as tantas o sol-da-meia-noite?
Preso em uma teia gigantesca?
Devorado por insetos?
Fugira de sua órbita deixando a ilha eternamente adormecida, esquecida.
Deixara a ilha ilhada.
E os unicórnios olhavam de soslaio

Corina Sátiro
11/11/2003 21:41:14

sábado, 13 de setembro de 2014

Memórias

                                                                                   
A morte morreu após sair e bater a porta,
Deixou acesa a luz do abajur.
Minhas pálpebras cansadas não despediram-se da traiçoeira senhora.
Meus  involuntários flashback retardariam- me a memória para sempre (talvez eu fosse doente)
Causas:  o lixo e o luxo
Meus dentes rangeram durante toda a madrugada
E aí sim, eu vi chegar a alvorada, o crepúsculo matutino.
O céu rosado e as rosas;  estas não floriam (A fauna e a flora brasileira são exuberantes!)
Deslizeis os pés no gramado gelado com o maldito cigarro nos dentes a sufocar-me com sua fumaça adentrando-me as narinas.
Sem café, sem o trem das nove, sem o sorriso perdido em alguma esquina; sem minha mangueira no quintal. Mas, acho que ela nem daria frutos, bem como as rosas que este ano não abriram botões.
Um vento frio me encosta ao rosto, e minha mente cheia de folhas secas
Minha aura adormeceu agora. E quem sou? Não me lembro !
Um humanóide ?  Um caso perdido  e sem fronteiras ?
Não sei; sei não... minhas asas fechadas me enterraram aqui
Para sempre – talvez.

Corina Sátiro
13/09/2014
   


quinta-feira, 14 de julho de 2011

Olhares

Meu olho esquerdo escondia os versos emudecidos, a música
E o arrulhar dos pássaros solitários.
Mergulhava sombreado nas almas soltas e nuas

Por quê tu olhavas apenas por ele?
Não imaginavas que meu olho direito já desfazia-se em lágrimas?
Que roubaria de ti a harmonia e os sonhos?

Passastes longe da retina derretida pelo sal que me descia ao colo,

Mas, te amei!

Meu olho esquerdo te contava histórias pueris, iluminava os caminhos; e caminhavamos...
Saltando feito moleques, digladiavam olho esquerdo e direito em minhas lutas imortais
E os teus olhos viam meu olho esquerdo. Acenavam-lhe e sorria.

Contorcia-se meu olho direito, e de soslaio arremetia-se ao medo
Fugindo pela janela semi-aberta.
Então? Acovardava-se ele? Não.

Meu olho direito, menino e arredio assustava-se ao som das guerras
E trépido fechava-se, ou arregalava-se em pedidos de socorro,
Mas não vias meu olho direito

Agora já é noite e meus olhos dormem.
Assim, acalmam-se e sonham os mesmos sonhos, teus e meus.
Irmãos da mesma face expostos ao renascer

Corina Sátiro - 23/03/2015

sábado, 23 de abril de 2011

Telhas de Gelo

O homem grisalho entrou pelo portão dos fundos. A lua ofuscava-lhe os olhos; estupenda e imponente infeitiçava metade da Terra derramando raios.

O homem lá estava, e sob a lua rebuscava o menino que fora na infância lá em seu fundinho de peito solitário, trazia à lembrança molecagens junto aos anciãos na varanda; tinham as faces enrugadinhas, adocicadas de risos e coradas de sol, morriam de rir em suas anedotas contadas enquanto tomavam o café da manhã com bolo de limão. Seus olhos em raros momentos entristeciam-se. Por vezes eram nostálgicos.

Rememorava o homem a vista para o moinho que ficava ao lado da igrejinha onde ía aos domingos pedir pelos desamparados; incluia pedidos fervorosos em rezas aos céus à dizimação dos “pestinhas” silvestres enquanto desperdiçava água benta esguichada aos mesmos. Estes eram verdadeiros destruidores – alguns comiam os ovos das galinhas chocadeiras que a mãe vendia para comprar fubá.

De volta à realidade, por horas ficava a olhar as trancas apodrecidas do portão, as tábuas do paiol rangendo e confundindo os assovios dos ventos que desciam desenfreados a montanha. Lembrou-se que quando menino tinha medo dos tais ventos, achava que virariam grandes tornados e arremeçariam aos céus todas as criaturas por onde passasse enfurecido.

Os olhos do homem eram nitidamente profundos e observavam as muitas ruas de sua infância, onde corría a soltar os pássaros na intenção de uma aprendizagem de vôo numa simples observância. Pensava que com isso poderia também levantar vôo sobre as cidades contraiando a ciência e a tecnologia que inventavam aeronaves e balões; Achava que todos os habitantes viraríam pássaros exuberantes e imensos com plumas enormes e coloridas.

Podia ver toda a trajetória destinada aos homens: início, meio e fim. E trôpego percorreu as ruas; e sentiu o cheiro do vento, o sereno a invadir seus olhos úmidos de saudades. Chorou. Sentou-se na relva e chorou copiosamente.

Voltou a observar a casa vazia, aproximou-se e fechou as trancas apodrecidas, esqueceu o medo dos ventos e voltou a cidade com o coração cheio de lembranças.

Corina Sátiro - 23/02/2006

terça-feira, 16 de junho de 2009

De Tempos Em Tempos

Após tanto tempo - tempos de sois - ainda cabisbaixa atirei-me à luminosidade que restava do por-do-sol. Enxergava-me agora como um velho tronco envelhecido no topo da colina, cheio de galhos secos, oco e vazio; tão vazio que quebraria-se com uma leve brisa. Ainda assim, lá estava ele. Mantinha-se de pé a olhar os vales como estivesse a calcular o tempo que lhe restava de vida.

E eu tinha certeza do que me ocupava a mente durante aqueles tempos em que brincava com as outras crianças nas calçadas em minha rua da infância: “ Amor era reservado somente aos deuses, nunca aos mortais” . Se fora eu parida por uma mortal, como saberia do meu destino amororo? Ah, mas nem todos os príncipes eram deuses e eu podia sonhar.

Bem sei de raiva, de ódio. É quase uma demência. Sentimentos destrutivos que adoecem a face e a alma dos homens dando-lhes a certeza de que nada valhe a pena, de que nada reconstruirão. Apenas caminham para a morte e a desolação. E eu choro com isso.

Corina Sátiro - 20/03/2000

sábado, 13 de junho de 2009

Prisões

Não aprisona-se viagens astrais
Prisões de mim, prisões de homens, prisões de pássaros,
Prisões de irmãos quase pássaros,
Porque se pássaros fossem
Sumiriam no azul do céu e mergulhariam no infinito.
Prisões de meus dias de sonhos
Mergulhados nas celas sombrias da dor da distância.

Te beijo irmão, com a dor do frio nos lábios calados da ausência.
Não chore, falamos amanhã;
Falemos de um novo amanhã.
 
Corina Sátiro - 20/05/2006

terça-feira, 12 de maio de 2009

Ilusão

A ilusão me leva ao ar montanhoso da terra onde nasci, e numa tarde fria vejo-me nua e medrosa a arrastar-me pelo piso molhado.
Onde haveria de chegar com tantos pensamentos?
Pensar é cansativo demais, por isso durmo às tardes inteiras; me levanto pelas madrugadas e pego-me a andar pela casa analisando as côres das cortinas das janelas da sala.
Lá fora o vento assovia medroso e anuncia a chuva fina, então recolho-me a tomar uma xícara de chá de maçã.
Quem sabe ao alvorecer meu coração já esteja ensolarado?

Corina Sátiro - 01/04/1995