quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Quereres

Quis te procurar,
 
Te molhar com a chuva que desce calma pela madrugada;

Te sufocar com beijos loucos e embriagados de vinho morno.
 
Quis me dar, me achar...

Quis um sol depois da chuva que adentra a madrugada imensa

E escorre lenta sobre minhas pálpebras cansadas.  

Quis te ninar, te mostrar os caminhos do sol,
 
As profundezas dos rios, dos mares revoltos que invadem as ruas

Beijando meus pés descalços.   

Ah, eu quis teus braços! Teus laços atados aos meus tortos passos noturnos!

Dançarinos, meninos, em meus desatinos;

Transviados, marcados pela ausência do meu imenso querer.

Ah, eu queria era viver!

Teus risos doces, cheios de alegria, de vida bandida;

De vida nos leitos, no cais, nas esquinas paradas no tempo.

Quis ver meus sentimentos mais leves que o vento que foge dos litorais

Visitados pelas dunas acinzentadas de maresia.

Quis teus olhos espertos, dispersos,

Mas era tarde e eu já dormia. 

Corina Sátiro – março/2003

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Mágico

                                                                Ele era mágico.

Brincava de inventar sorrisos, porém não percebia

O meu riso discreto de criança encantada que sem querer o acompanharia.


Não conseguia ver!

Por que não via?

 Já me havia levado aos palcos e se mostrado duende, bruxo ...

Ele era mágico.

Será que não sabia?


 Já sei:

 Não conhecia a sua magia,

Porque este saber só era permitido a quem o via.

E ele era mágico e não sabia!
 

Brincava de dançar nos olhos e depois fugia

Deixando a silhueta colorida a marcar sua volta.

Sequer dava tempo aos espectadores para partir.


Amanhecia e ele dormia em meus olhos de criança,

E eu não precisava dizer que o veria novamente.

Ao acordar, certamente me contaria histórias;

Ao acordar brilharia como os vaga-lumes sobre minha cabeça aturdida;


E se pensasse bem, me faria ralar os joelhos quando brincássemos de fugir,

Quando corrêssemos  pelos jardins e praças,

E nunca ficaríamos tristes... Eu não ficaria!


Mas ele era mágico e me excluía,

Porque dos meus sonhos nada sabia!

Da sua magia? Eu sabia.

E ele era tão mágico, mas no meio da platéia não me via.


Corina Sátiro – 30/07/1999

Caminhada de Uma Pessoa Solitária

Vi seus olhos abertos e assustados

Implorar-me a volta dos risos e canções.

Senti sua mão no meu rosto

Implorar um grito.
Mesmo que fosse de guerra... Ah, não !



Mas minha dor era calma

Como o nevoeiro que abraça o prédio mais alto da cidade.

Andei pelos seus sonhos e descobri sua realidade;

Descobri fraquezas enormes.

Ah, meu Deus! Como são parecidas com as minhas!


Olhei a rua vazia, levantei os olhos e segui em frente.

Vi no espaço cinzento uma grande estrela amarela a exibir-se

Como criança pequena que começa engatinhar empoeirando-se na terra.

As horas passam correndo por mim

Caminho em direção ao horizonte vazio.

Lá devo achar alguém.

Corina Sátiro - 01/09/2015

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Tem Vida Lá

Minha cabeça está cheia de um mar de coisas já vividas e não vividas
E os amores causam implosões que por vezes não nos deixam por o rosto na janela
e observar quem vem e quem vai

Amamos várias vezes , de várias formas... Mas tudo é amor!
De pai, de mãe, de irmãos biológigos ou não,
Precisamos do calor do amor

E nestes dias de calor tenho a sensação de que cai da ponte que cruza o rio 
E vejo água que migra para o sertão de minha alma levando com ela cachoeiras. Então, saio rumo aos ventos calmos e bons - leves brisas - e medito
Sigo-as borboletas voando sobre o jardim orvalhado pela manhã que desponta.
Acho que tais borboletas também amam o rio!
Pois tambem as vejo mergulhar no lago.

Disseram-me que eu teria apenas um anjo a guardar-me... Acho que tenho muitos !
Tenho um avivamento na alma que sorri e torna minha vida leve como pluma

Meus momentos de angústia são raros, custam-me algumas noites em claro a sonhar acordada

Palmas pra vida!
Restos de pães sobre a mesa tem dono:  pássaros! 
Restos de milho nas calçadas sem dono:  lapsos!
 
Abro a porta do mundo que recrio todos os dias para as luzes que me tomam trazendo o brilho necessário aos olhos

Minhas reclusões são normais aos anormais,
Minhas alegrias vem e vão todos os dias, eu as vejo em tudo e todos
Meu mundo está feito há muito tempo,  
E é para a vida o que vivo.


Corina Sátiro - 27/03/2015

Teus Olhos

Se algum dia

Ainda que por fração de segundos

Perdesse a profundidade dos teus olhos

Peregrinaria sem rumo no etéreo.

Peregrinaria, sim.
 
E por todos os dias meus lábios

Permaneceriam congelados numa neve rubra

Jamais vista antes do pôr-do-sol.

E meus dias e noites adormeceriam em silêncio

Por séculos e séculos.

E de minhas mãos nenhum gesto,

De meus olhos nenhum brilho.


Corina Sátiro.  -  maio/2004

domingo, 23 de agosto de 2015

Olhos Bélicos

Corações são moleques inconseqüentes.

Abrem seus peitos

A qualquer amor,

A qualquer dor;

Batem em qualquer peito,

E numa noite, tomados por uma  arritmia, (medo vem, medo vai...)

Descambam mundo abaixo.

Eu, sem a verve daqueles que encantam,

Já não tenho o meu,

Porque meu coração Latino-americano

Anda distante, anda tristonho;

Muito além dos seus quintais.

Um dia pensei:

Talvez morra ainda jovem, e não morri!

Suas batidas imergem na escuridão de uma noite imensurável. 

Ou, (vá saber!) sobreviva a guerra iminente.

Meu coração perdido anda ferido,

Porque olhando o  Oriente vai morrendo aqui na América Latina.

Corações moleques,

Corações de lá já não sabem o frescor da chuva, 

Corações daqui  em meio ao nevoeiro,  calam-se.

Sós, em meio ao nevoeiro, calam-se,

E meus olhos desencorajados permanecem olhando o "nada" que vem.



Corina Sátiro – 20/08/2015 

Catedral

                                                  Ah , Catedral ! Aí estão os santos?

                                                  Vi anjos esculpidos em relevo em tuas paredes amarelo-ouro.

                                                  Têm lindos olhos os meninos anjos.

                                                  Que dó tenho eu dos meninos anjos!

                                                  Observam o pássaro que se recolhe triste e encolhido sobre um fio elétrico

                                                  Num poste bem a frente de seus olhos de gesso quando cai a chuva...

                                                  Ai! Tenho medo que meus olhos tornem-se olhos de gesso!

                                                 
                                                   Corina Sátiro - 02/05/2000