quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Marinheiros

Os baderneiros seresteiros eram  homens marinheiros

A tocar clarins no cais

Viajantes desprezados por  sereias, belos seres encantados

Por dom dos deuses, assexuados, sem poder acasalar

Os baderneiros seresteiros eram homens marinheiros

A tocar clarins no cais.

Viram noites, viram dias a destoar as alegrias

De quem vai remar no mar

Pelos olhos das sereias que desnudas se bronzeiam 

Choram, cantam, desnorteiam.

São os mártires dos sonhos, e às moças que os querem:

Seus túmulos serão no mar.

 
Corina Sátiro - 07/03/1980

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Espelho


Um ruído na noite interminável.
Um espelho quebrado e o medo de olhar;
Um medo de ver meus eus estilhaçados,

Refletidos dentro das poças de lama.

Muitos eus! 

Alguns brincando no jardim de minha infância, 

Outros dançando no inferno.
Alguns invadindo teus olhos dispersos.
Meus eus atrevidos, mal vestidos...
Eram cuspidos logo em seguida por um eu sufocado de medo.
Durma minh`alma, não os queira ver!
Eus miseráveis.
Outros eus?

Lá vão eles de mãos dadas cercando exércitos,

Atirados à guerra milagrosa.

Deveriam ser solidários com a morte!

Num grande teatro
Gargalham na platéia,

Sobem ao palco e viram palhaços!

Brincam, brincam, brincam, brincam!
Abraçam os meninos atores no final do ato,

E sem que se perceba somem pelos grandes corredores.

Corina Sátiro - 10/06/2005

Palavras


Diz
 
Que veio só,

Que nem percebeu que não vai ter sol,

Que tem medo do mar e das águas profundas que lá se vê

Tal um barco assustado que fica perdido nas ondas.

Que viaja no céu azul,

Que já conhece os labirintos, os cometas, os gametas;

Que já está em meus passos lentos,

Que nunca terei pesadelos,

Que a noite será calma,

Que tem meus segredos guardados.

Diz
Que sabe até do meu riso arrastado,
Que estamos por aí,
Que o amor não tem hora e nunca morre,
Que conhece os riscos de não viver plenamente,

Que pode cantar até ao amanhecer.

E aí,
Se durmo, sonho,

Se acordo, lembro,

Se lembro, quero,

Se quero, é muito,

E o muito é pouco.

Corina Sátiro - 05/02/1993

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Feridas

Bem aquém estamos para ferir.
Somos pacíficos!
Mesmo aos que nos iludiram com festas, com risos e promessas.
Podíamos, com fome,  largar umas palavras afiadas à nossa língua torta e inerte
E aos seus ouvidos “surdos”.
Podíamos gritar, gritar, gritar... (#%¨*¨$#”>>¨¨#*)
Não, não!
Estão longe para ouvir-nos!
Tingidos de mentiras, usando nossas cores
Verde, amarela, azul e branca em viagens por esse mundo tempestuoso.
E nossas cores e meninos?
À beira do caos.
Antes arrancassem os ventres de mães e pais...
Ninguém mais atravessaria as pontes para tentar enxergar nada!
Nenhum número;  nem dois números, nem três...
Nenhuma criança a morrer de fome!
Nenhuma criança a roubar,
Nenhum menino a desejar um fuzil
Já que nas costas carrega a dor às margens da sociedade.
Bem aquém estamos para ferir.
Somos pacíficos!
Seremos sempre pacíficos !

Corina Sátiro – 10/07/2015

domingo, 9 de agosto de 2015

Atos

Meu pequeno príncipe, não preciso de sábios momentos.
Não os gravo em minha memória curta e desajustada.
O quê me dizias mesmo de tuas madrugadas?
Das minhas tenho os guerreiros que lutam por minhas pernas bailarinas,
Quando me deito como criança e desperto adulta.
Uma louca tal qual aquelas que acharias nos cabarés;
Que vira e revira seus atos (falhos?).
Te deixa morrer com o desejo encoberto pelas flores que recebi do cavaleiro andante.
E na noite que morre me aconchego nos braços da armadura de ferro.
Meu grande príncipe, nem tal armadura tiraria minha candura
Ou meus olhares escaldantes que te observam mortificados nas camas alheias.
Onde te achas ou te perdes de ti,
Nasces ou morres para mim.
Não te tenho amor,
Mas minhas pupilas dilatam ao toque dos teus dedos.
Dos meus dedos já caem as unhas quebradas
E canto como sereia perdida nos rios doces a procura de um mar.
Tu te afundas ali em tais rios ao ouvir meu canto,
E te encanto por um só dia nalfragado em nós.
Então tu conheces meus atos,
Falhos ou não.


 10/03/2004

sábado, 8 de agosto de 2015

Silêncio

O  Silêncio tirano exclui meus risos quando estes não poderiam fazer parte
De tudo o que posso adquirir com as visões que me vem de dentro da solidão de hoje  
O  oculto e o ocultismo chegam quando as palavras calam
E minha morte é quase  vista em suas tolices.   
Quão tola é a morte quando a vida sobrepõe-se num grito que ecoa.

Vãos  de escadas - mais pareço.
O  silêncio é o peso abstrato que mais  pesa em minhas costas doídas,
E ainda assim os olhos me fecham e rio de mim,
Solitariamente rio do fim que acaba sem começo!
E sorvo o café enquanto observo a peça de louça branca na mesa vazia.

Não vá medir-me a distancia!
Calcule o tamanho imenso da sóbria embriaguez
Que me açoita no início da noite
Quando olho a vida com cara de quem a conhece em sua plenitude...
Quanta tolice!

Diante do tirano silêncio dobramos nossos joelhos
E vimo-nos cair em prantos...
Já não é hora de dormirmos?
O silêncio mata os sonhos.
E enquanto dormimos o sentimos falar, falar, falar...

05/07/2006


Quereres

Quis te procurar,
Te molhar com a chuva que desce calma pela madrugada;
Te sufocar com beijos loucos e embriagados de vinho morno.
Quis me dar, me achar...

Quis um sol depois da chuva que adentra a  madrugada imensa

E escorre lenta sobre minhas pálpebras cansadas.  
Quis te ninar, te mostrar os caminhos do sol,
As profundezas dos rios, dos mares revoltos que invadem as ruas
Beijando meus pés descalços.   

Ah, Eu quis teus braços!

Teus laços atados aos meus tortos passos noturnos!

Dançarinos, meninos, em meus desatinos;

Transviados, marcados pela ausência do meu imenso querer.

Ah, eu queria era viver!

Teus risos doces, cheios de alegria, de vida bandida;

De vida nos leitos, no cais, nas esquinas paradas no tempo.

Quis ver meus sentimentos mais leves que o vento que foge dos litorais

Visitados pelas dunas acinzentadas de maresia.

Quis teus olhos espertos, dispersos,

Mas era tarde e  eu já dormia. 

 

Corina Sátiro – agosto/2015