terça-feira, 4 de agosto de 2015

Menino (homenagem póstuma ao meu irmão Jorge Sátiro )

O meu menino moreno de olhos serenos
Já foi-se embora.
Deixou-me somente a cidade,
As luzes do parque, e uma dor tão doída...!
Saiu durante a madrugada
Pisando na vida, visando as calçadas;
Jurou que não mais voltaria e foi entregar-se a vida vazia.
Vida vadia... de bares, de copos, de bafos;
De choros e chorinhos.
Que menino mau!

O meu menino do peito partiu
E deixou-me sem graça e sem jeito.
Correndo pela noite adentro sem rimar a vida
E os versos cinzentos.
E agora a passarada do parque
Reclama comigo as mesmas migalhas
Da melodia que tanto me falha.
Que menino mau!

E o meu olhar tão cansado
Atira nos versos um bom desagrado.
É culpa do meu coração
Que não quer,
Que não pode,
E não vai ser em vão.
Que menino... menino.

 
Corina Sátiro - 04 de maio de 1986

Aplausos

                                                      
Esta é a aura que tenho na simples condição de criatura.

E você me vê aqui no palco em meio aos holofotes sob as luzes.

Não vê que não há palco, criatura?

Obstáculos em círculos nos separam os fragmentos doloridos.

Neste momento vejo-me como a criação do Messias, não como criadora de nada,

E vejo as variações dessas formas criadas.

Todas férteis, aflitas, sorridentes;

Todas fustigadas, de encontro a fadiga - mas, só.

Aplausos para as caricaturas desenhadas quando todas as vozes se distorcem

Num eco estridente, assustador e comovente.

A bala entrou no coração doente, 

Bem no meio do peito!

Esta é a cena no cenário sujo.

Criaturas criando versos.

Em meio ao cenário sujo...

Meu submundo no camarim. Isto ninguém viu! 

Julho de 2015

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Flores Mortas

Os ventos gélidos derrubaram o vaso cheio de flores
mas foi somente um vaso a quebrar-se
Outrossim,  as flores já não respiravam mais

Eu tinha coisas na mente vazia
Quem tem a mente vazia ouviria como a um trovão,  mas...
Foi somente um vaso a quebrar-se

O florista arrancara o coração das flores, pois naquele dia deveria levá-las, todas
Era dia de enfeitar todos os aposentos, assentos, conventos, igrejas para casamentos...
 
Que importância há na simplicidade de um vaso com flores mortas a quebrar-se?
E eu tinha pouco tempo
Corria, corria... Mas a mente vazia...

Colho as flores mortas e preparo o funeral
Enquanto chora o florista, o jardim, o jasmim... Não sabiam do tal acontecimento!
Por que tanta tristeza?

Foi somente um vaso a quebra-se
E as flores
Não respiravam mais

20/12/2016 

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Bichos Soltos

                                                                                
            Já não falo agora ; não escuto, porque minhas mãos direcionadas aos céus clamam pelo fim da psicalgia no mundo.

            Alguém lá em cima  - talvez sonhando- espreguiça-se   ao bocejar revirando-se  nas nuvens  algodoadas.
    
           Alguma coisa  dissolve-se virando neve, causando tormento  e frio. Ora, se não é o gélido São Pedro!?  Tudo por querer pisar na  Terra...

           "Santos sempre sobrevoam a Terra",- dizia minha mãe ao mirar meus olhos de criança curiosa  enquanto o  padre rezava a missa de domingo.

             Ontem chorei. Um choro de gente assim... Ah!... assim meio animal! (quisera  eu sê-lo não somente parcial.) Rosnava e latia ao telefone para posteriormente calar-me  e em seguida sentar-me num canto  qualquer. Enquanto  "São Pedro", derretido, líquido,  ainda escorria pelas vidraças alcançando as ruas barrentas  do meu vilarejo; este que me acolhe  sempre, fazendo pensar nas estrelas, nos homens, no Deus Dono do mundo.

     O meu amor certamente estará pensando que sou  uma Mula-sem-cabeça , ou um Lobisomem.- criaturas folclóricas que atormentam as crianças quando  deitam-se para dormir.

                                 Não; não . Nunca assustaria o  meu amor.
 
 21/10/2004  

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Lobos

Caio em mim como gotas de sangue de um membro extirpado.

Devia ter tido o cuidado para me proteger dos lobos,

Devia ter aproveitado a noite para sonhar

Sangrar não é mais que uma dor.

Chorar. Pra quê? Por quem?

Um homem quase cão;

Lobo ainda não.

Falta saber uivar, saltar sobre os obstáculos no negrume da noite.

Como pode mascar minhas vísceras

Sem sentir o gosto amargo da minha decência?

 

Corina Sátiro -10/11/2005

domingo, 26 de julho de 2015

Adeus

Não te atormentes se não me vires hoje,
Pois nem os espelhos e vitrines me refletem agora.
Aqui não estou mais.
Há alguém em mim, desconhecida; bem sei.
Prolonguei minha tortura nos teus festejos.
Ternura dissimulada a tua que atua sempre
Em teu olhar de aventuras
Seguei-me e arrastei-me,
E agora arrisco-me pulando os muros altos para fugir de mim
Sem sentir mais em minha pele teu cheiro já evaporado.
Que após alguns segundos não há de fazer diferença
Em minha imagem distorcida e em meus sonhos sufocados.
Meus sonhos renascem com as andorinhas mortas
Meus olhos profundos -  lagoas de puro sal
Onde tu te banhas em harmonia com as horas
No início de uma nova dança de ventres arqueados
E tuas mãos já não me importam no adeus;
E tuas mãos já me são mudas,
Minha pele já te é surda e cega,
E me transportam para as temperaturas mais elevadas
De uma desconhecida cidade em chamas
Onde os fogos não são artificiais.
Os meus lábios, antes teus, a outros tocam num ritual calmo de quem se vai.
E a minha fraqueza – tua perpetuada inimiga – corre solta e forte,
Corre livre em outras mãos suaves,
E os meus suores quentes são águas cristalinas e entram em erupção 
Para encher de um brilho galáctico os olhos de quem os vê.

Corina Sátiro – 25/06/2005

terça-feira, 14 de julho de 2015

O Elo

Meu olho e alma, e os pedaços perdidos do meu "dano psíquico"
Não me causam estranheza, e os rumos desconhecidos também não,
Pois após tanta dor, vi um coração raquítico pulsar doente em mim.
Restavam duas dores que tive que entender: meu céu e meu chão.


Um beijo na mão me alimenta...
E que falta sentirei de mim mesma se não me vejo?
Estou atrás das dunas a olhar o vento quente que derrete a tarde
E a lembrança de ti ... Não te vejo! 

Ah, mas quem dera ver o início da fúria em mim!
Arrancar os resquícios da doce lembrança dos teus olhares,
E riscar, pondo meu nome - em tua face - com o mesmo pincel que usei no quadro inacabado que ainda guardo amedrontada,
 
Mas de que adiantaria tudo isso, se ainda quero beijar tua face no quadro desbotado onde não terminei a pintura?
Então, guardo o pincel para pintar o céu

Dores de mim, deixem a paz cantar nas conchas achadas na areia!
Eu que me achei sem querer perdida na distração,  num barco vazio que corta o mar
a sonhar com cavalos brancos...
Sei que era apenas a menina em mim!